<font color=&quot;0093DD>• </font>Os impérios não são eternos

Miguel Urbano Rodrigues
A dívida externa dos países subdesenvolvidos atingiu proporções colossais. O funcionamento da sua engrenagem faz dela uma máquina antropofágica. Devora aqueles que a contraem. É a escravidão pela dívida. Pressionados pelo FMI, que fala por Washington, governos tutelados e incapazes de defender a dignidade nacional, cedem.
As pri­va­ti­za­ções sel­va­gens chegam, assim, na es­teira do en­di­vi­da­mento. Os me­lhores ac­tivos na­ci­o­nais são ven­didos para pagar o ser­viço da dí­vida. Numa se­gunda fase o leilão atinge ser­viços pú­blicos que são pa­tri­mónio da nação, como a água, a elec­tri­ci­dade, os cor­reios, os ae­ro­portos, o sis­tema fer­ro­viário, os portos. Quando não há mais o que vender, o país fica à beira da ban­car­rota.

A dívida externa dos países subdesenvolvidos atingiu proporções colossais. O funcionamento da sua engrenagem faz dela uma máquina antropofágica. Devora aqueles que a contraem. É a escravidão pela dívida. Pressionados pelo FMI, que fala por Washington, governos tutelados e incapazes de defender a dignidade nacional, cedem. As privatizações selvagens chegam, assim, na esteira do endivida mento. Os melhores activos nacionais são vendidos para pagar o serviço da dívida. Numa segunda fase o leilão atinge serviços públicos que são património da nação, como a água, a electricidade, os correios, os aeroportos, o sistema ferroviário, os portos. Quando não há mais o que vender, o país fica à beira da bancarrota.

Curiosamente o FMI, em alguns casos, tem exigido cortes nos orçamentos de Defesa. Essa iniciativa não é inocente: o objectivo dela é desarmar as potências regionais, sobretudo o Brasil e a Argentina.
Os males do endividamento não são, porém, um fenómeno recente. Podem ser identificados ao longo da história desde eras remotas.
No caso da América Latina, as repúblicas formadas nas antigas colónias espanholas cresceram endividadas. O Brasil já nasceu endividado. O grande credor era então a Inglaterra, a potência imperial hegemónica da época.
Foi entretanto, sobretudo a partir de meados dos anos 70 do século passado que a acumulação de petrodólares gerou mecanismos que reforçaram a dependência dos países endividados. Os grandes bancos privados passaram a assumir a função emprestadora antes desempenhada pelos Estados. A dívida externa atingiu rapidamente proporções colossais, tornando-se um instrumento de dominação política e económica.
Segundo balanço preliminar da CEPAL de Dezembro de 2002, o seu total na América Latina e no Caribe atingia 725 074 milhões de dólares.
Os seis maiores devedores eram: Brasil: 226 723 milhões de dólares; Argentina: 132 900 milhões; México: 114 000 milhões; Chile: 38 204 milhões; Colômbia: 37 800 milhões; Venezuela: 32 859 milhões.
As amortizações e juros pagos nas últimas duas décadas excederam amplamente o montante da dívida no começo dos anos 80, mas esta não tinha parado de crescer.
Chama a atenção o facto de o Chile - apontado como um país modelo pelo FMI - apresentar a mais elevada dívida per capita do Continente.
Na América Latina o panorama, como as estatísticas demonstram, é alarmante. Do Rio Bravo à Patagónia uma parcela grande da riqueza produzida é drenada para a remuneração do capital estrangeiro. O trabalho de milhões de pessoas é absorvida pelo serviço de uma dívida que, pelo funcionamento da engrenagem, não pode ser paga, segundo reconhece o próprio Joseph Stiglitz, Prémio Nobel de Economia e ex- director do Banco Mundial.

Ao ser­viço da dí­vida

As políticas neoliberais, consagradas nas cartas de intenções impostas pelo FMI, contribuíram também para ampliar as áreas de fome no Continente. No Brasil, por exemplo, milhões de hectares que antes eram utilizados para produzir alimentos, nomeadamente o arroz, o milho e o feijão, básicos na dieta do povo, foram ocupados por plantações de soja e cítricos. Estranho mecanismo: planta-se somente para gerar divisas destinadas ao pagamento do serviço da dívida.
D. Pedro Casaldaliga, um bispo brasileiro que conquistou enorme prestígio em todo o Continente, respondendo a um inquérito sobre o tema, afirmou há poucas semanas - cito - que «Os presidentes e os ministros das Finanças dos nossos países são os representantes do FMI». Quando discutem a dívida limitam-se a cumprir o que Washington decide.
Parece-me útil chamar também a vossa atenção para um aspecto do problema de que pouco de fala. A dívida do Terceiro Mundo é hoje necessária à finança como um dos seus escoadouros para o excesso de capitais resultante da exploração capitalista, estruturalmente indispensável.
A integração dos mercados financeiros tornou-se vital para o sistema. Sem ela, seria muito mais difícil mantê-los subjugados. O seu mecanismo reduz-lhes a margem de autonomia, dificultando a reversão da dependência.
Poderia concluir-se do panorama esboçado que a dívida externa continua a ser na América Latina o instrumento fundamental da dominação imperialista.
Essa convicção, muito generalizada, deforma, na minha opinião, a realidade.
O sistema de poder imperial instalado nos EUA chegou à conclusão de que por si só a dívida externa, como instrumento de dominação, não lhe permitia atingir determinados objectivos no âmbito da sua nova estratégia. Consciente da extraordinária importância dessa arma, entendeu que era indispensável encontrar algo que fosse simultaneamente complementar e paralelo. A sua estratégia integrada de dominação planetária exigia meios mais eficazes e rápidos para impor a sua vontade a países subdesenvolvidos. As chantagens e pressões exercidas através dos mecanismos da dívida somente produziam em certos casos efeito a médio prazo. Nas situações de emergência nem sempre funcionavam.

Ou­tras formas de do­mi­nação

A falência das políticas de ajuste provocou crises tão devastadoras que em alguns casos governos dependentes tiveram a contra gosto de decretar moratórias para evitar a bancarrota. A Casa Branca teve se acomodar a essas situações. Invariavelmente o FMI e o Banco Mundial atribuíram a responsabilidade de tais crises a erros cometidos por governantes locais, mesmo quando estes haviam sido durante anos - como por exemplo Ménem e o equatoriano Mahuad - elogiados por ambos como os melhores e mais disciplinados seguidores da doutrina do Consenso de Washington.
Nos EUA a elite do poder compreendeu que a nova e agressiva estratégia planetária do sistema exigia outros instrumentos de dominação que respondessem aos seus fins. O manejo dos mecanismos da dívida demonstrara repetidamente ser insuficiente. Não cabe aqui remontar às origens da actual estratégia de poder dos EUA. Mas é oportuno lembrar que existe uma abundante documentação nos arquivos do Pentágono sobre o War and Peace Studies Program, elaborado no final da II Guerra Mundial com o objectivo de garantir para os EUA, como herdeiro natural do Império Britânico, em processo de desagregação, uma posição de hegemonia política, económico e militar, sobre grande parte do mundo. Para a execução desse projecto secreto era considerado imprescindível a médio prazo o controle dos recursos naturais, nomeadamente o petróleo e o gás, do Médio Oriente e da Ásia Central (1).
O tema desta comunicação justifica, porém, que chame a atenção para uma evidência quase esquecida. Foi ainda durante a presidência de Clinton que começou a tomar forma uma inflexão estratégica que alterou as prioridades da política de Washington para o Continente e sobretudo as formas assumidas pela presença norte-americana.
A mudança não foi nem uniforme, nem rápida. Os pretextos invocados para uma política intervencionista variaram consoante as áreas de actuação. A necessidade da «cooperação» na luta contra o narcotráfico modelou um tipo de discurso que serviu simultaneamente para justificar não somente uma total liberdade de acção aos agentes da DEA (a CIA chegava com eles) como à presença de forças militares norte-americanas incumbidas de tarefas tão diferentes como a protecção dos oleodutos, o bombardeamento de amplas áreas amazónicas com herbicidas proibidos internacionalmente e sobretudo o combate a organizações revolucionárias definidas como «terroristas».
Vagas sucessivas de conselheiros militares instalaram se na Colômbia, no Peru, no Equador, na Bolívia, no Paraguai, na Argentina e nas repúblicas centro americanas, suscitando a indignação dos respectivos povos.
O Plano Colômbia, ambicioso projecto de intervenção militar dirigido contra a América Latina, foi aprovado também ainda durante a Administração Clinton. O funcionamento do sistema adquiriu uma dinâmica própria que não é condicionada em muitos casos pelo calendário eleitoral.

In­ter­venção brutal

Evidentemente, a entrada na Casa Branca da extrema direita estadunidense contribuiu para dinamizar e agravar a política de intervenção militar indirecta na América Latina. Mas a equipa de Bush - recheada de personalidades ligadas ao complexo industrial militar - não criou uma estratégia para o Hemisfério. Esta insere-se numa estratégia global. A nova administração imprimiu um estilo fascizante aquela que vinha sendo aplicada. Ampliou-a com consequências dramáticas.
O verdadeiro objectivo do Plano Colômbia ficou transparente quando o presidente Bush solicitou ao Congresso autorização para que uma parte dos 1300 milhões de dólares destinados a promover o desenvolvimento económico e a combater o narcotráfico fosse utilizada no combate às guerrilhas. Quando as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - Exército do Povo abateram um avião espia no Departamento do Caquetá e prenderam três norte-americanos ligados à CIA que nele viajavam, o governo Bush, passando por cima do Congresso da Colômbia, tomou a decisão de enviar para aquele país uma pequena força de elite da US Army. O presidente Uribe aprovou o gesto, desencadeando uma tempestade política. A iniciativa de Washington, violadora de compromissos assumidos pelos dois governos, foi mais um passo no sentido da intervenção militar directa dos EUA na guerra civil colombiana, implorada por Uribe Vélez. O resultado foi um fiasco. Os presos não foram resgatados e posteriormente já caíram na selva colombiana mais dois aviões militares dos EUA.
Bush é sincero ao afirmar que entre ele e Uribe Vélez existe uma grande empatia. Pertencem ambos ao mesmo universo ideológico.
A decisão de atribuir aos países do Hemisfério «certificados» de bom ou mau comportamento na luta contra o narcotráfico é outra forma de intervenção, desrespeitadora da soberania das nações. Até chefes de Estado e candidatos à presidência foram humilhados com a recusa de visto para entrar nos EUA quando incorreram no desagrado da Casa Branca.
O envolvimento do governo de Washington na conspiração que precedeu o fracassado golpe de Estado de 11 de Abril na Venezuela e a chantagem exercida sobre presidentes do Continente nas vésperas da agressão ao Iraque iluminaram bem a política de Bush para a América Latina. Os embaixadores dos EUA actuam com uma arrogância inédita. Alguns promovem conferências de imprensa para criticar com grosseria leis e decretos dos governos e dos parlamentos dos países onde estão acreditados. Em Caracas, o embaixador de Bush ultrapassou todos os limites ao promover um show na sua residência para ridicularizar o presidente Chavez.
Lula, antes de tomar posse, foi injuriado por um subsecretário de Estado de Bush. Agora é alvo de elogios do secretário do Tesouro, de Alan Greespan, do Federal Reserve Board e, naturalmente, de Bush. Mas os elogios ofendem as forças democráticas brasileiras porque Lula é apresentado como um continuador da política de Fernando Henrique e um disciplinado executante da política neoliberal imposta pelo FMI.
O argentino Kirchner, um tímido neo keynesiano, já foi repreendido por afirmar que porá termo à chamada «política de relações carnais com os EUA» e será firme na renegociação da dívida.
Neste contexto, quando a miséria e a fome alastram pela América Latina, a direita republicana e os poderosos executivos do complexo militar-industrial continuam a fazer a apologia da dolarização.
Bush aproveita todas as oportunidades para repetir que a luta contra o narcotráfico e o terrorismo é prioritária na sua política para a América Latina. Mas essa lenga lenga não consegue mais ocultar a evidência: o combate ao terrorismo e às drogas é uma simples muleta oratória usada para justificar uma política de intervenção brutal.

Três obs­tá­culos

Os porta vozes do sistema de poder não ocultam que o desenvolvimento da sua estratégia de dominação mundial esbarra na América Latina com três obstáculos (e algumas incógnitas, como a brasileira) cuja remoção é considerada indispensável. São eles a insurreição colombiana, a Revolução bolivariana na Venezuela, e a Revolução cubana.
Porquê?
Porque, sendo muito diferentes, esses três casos demonstram que é possível resistir.
Um regime que proclama a sua fidelidade ao socialismo sobrevive cercado, e, apesar do mais longo e cruel bloqueio da história, apresenta os mais altos níveis de educação e de saúde da América Latina. Na Colômbia, a guerrilha das FARC resiste há 39 anos a todos os esforços para a destruírem e transformou-se num exército popular com 18 000 homens que se bate em 70 frentes. Por que não intervieram ainda militarmente os EUA?
Porque não encontraram solução. A Colômbia não é o Iraque, nem o Afeganistão. A guerra ali lembra um pouco a do Vietname. Os EUA não podem bombardear as cidades onde o poder é exercido pelos seus aliados. E nas selvas e nas montanhas, as guerrilhas, invisíveis, criaram uma aura de invencibilidade. Na Venezuela, o golpe financiado e assessorado por Washington fracassou e a oposição saiu enfraquecida da sua confrontação de muitos meses com o governo Chavez.
No tocante a Cuba, o custo em vidas humanas para os EUA de uma agressão seria muito elevado e uma tal iniciativa poderia provocar o caos na América Latina.
A atitude da administração Bush perante esses três casos caracteriza-se por um reforço da agressividade. Não há indícios, porém, de que esteja na agenda do sistema uma escalada militar na região a curto prazo.
Mas a guerra no Iraque e a rapidez com que os governos da França, da Alemanha e a Rússia se acomodaram ao desfecho do crime tornaram os falcões mais arrogantes.
Por um lado, Washington tende a endurecer a sua posição na ALCA. Se o projecto for adiante, a América Latina será transformada num protectorado de novo tipo através de um processo de recolonização política, económica e cultural.
Os povos manifestam-se contra (tivemos o exemplo no plebiscito promovido no Brasil), mas até agora a condenação não se traduziu numa resistência organizada. Quanto aos governos, a maioria tornou-se cúmplice dos EUA. É o caso do equatoriano Lúcio Gutierrez. Conheci-o há dois anos em San Salvador numa Conferência Internacional de Solidariedade com o Povo da Colômbia. Falava então como um anti-imperialista convicto e ouvi-o defender a luta das FARC. Agora, no Cuzco, na reunião dos membros do Grupo do Rio, levou o servilismo ao extremo de propor medidas militares contra as guerrilhas colombianas.
Na prática apenas a Venezuela afirma com clareza a sua rejeição da ALCA. O governo Lula tenta salvar o Mercosul, mas a sua posição perante os EUA é ambígua.

Mi­li­ta­ri­zação em curso

Um dos instrumentos de pressão utilizados por Washington enquanto as negociações prosseguem de acordo com o calendário e numa atmosfera de quase secretismo, é, entretanto, o reforço da sua implantação militar na América Latina.
O Pentágono sofreu um desaire quando o Congresso brasileiro se recusou sequer a debater o projecto do Tratado que permitiria a Força Aérea dos EUA, através da base de Alcântara, no Maranhão, controlar mais de metade do território do Brasil.
A polémica que então se estabeleceu chamou a atenção para uma realidade quase desconhecida. Presentemente os EUA contam já com um cinturão de 20 bases militares que cercam praticamente a Amazónia e os dois países - a Colômbia e a Venezuela - onde ocorrem situações consideradas como de «ameaça potencial à segurança» da república norte-americana.
Comentando esse cerco militar, o diário «Zero Hora», de Porto Alegre, que nada tem de revolucionário, publicou um artigo de que transcrevo, por expressivo, o seguinte trecho: «A poderosa máquina de guerra americana já transformou boa parte da América do Sul em campo de caça. No cerco ao inimigo da hora, o narcotráfico, o terreno de batalha não se resume à Colômbia. Os EUA montaram em território sul-americano e em ilhas próximas, nos dois últimos, um «cordão sanitário» de 20 guarnições militares divididas entre bases aéreas e de radar, a um custo estimado em de 337 milhões de dólares, que abrigam ao todo milhares de soldados. Das transparentes praias do Caribe ao mormacento Chaco paraguaio a presença dos ianques é visível. Aviões-espias e caças espalhados pela Amazónia, pelos Andes e pelas Antilhas embaçam a nova estratégia.»
Desde a base de Pomarola, nas Honduras, às três criadas no Peru, e da gigantesca base de Manta no Equador às recentemente instaladas em Aruba e Curaçao, nas Antilhas Holandesas, os EUA controlam praticamente os céus do Caribe e da Amazónia.
Nas quatro bases da Colômbia - cuja força aérea tem um poder de fogo superior às do Brasil e da Argentina somadas - foi identificada a presença de aviões de combate norte-americanos da última geração.
Um grande secretismo envolve, aliás, algumas das instalações militares dos EUA , que gozam de total autonomia. Os governos, na maioria dos casos, nem conhecem a sua estrutura de comando.
A essa cintura de bases deve-se acrescentar Guantanamo e as de Porto Rico.
Quando o irmão do presidente Bush e um embaixador dos EUA ameaçam Cuba, afirmando que a Ilha pode ter um destino igual ao do Iraque, essas tomadas de posição são definidoras de uma política que, pelo seu caracter agressivo, suscita legítimas apreensões em todo o continente.

Uma es­tra­tégia global

A estratégia de dominação dos EUA para a América Latina não deve ser analisada como fenómeno isolado. Para lhe compreendermos o funcionamento temos de a inserir numa estratégia global do sistema de poder que constitui hoje ameaça à humanidade no seu conjunto, colocando em causa a continuidade da vida na Terra.
A crise de civilização que enfrentamos, que é simultaneamente, política, económica, energética, ambiental e cultural, não tem precedente na história.
Contrariamente à situação existente nas vésperas da II Guerra Mundial, uma potência, os EUA, dispõe de uma superioridade militar esmagadora sobre todas as demais. E, diferentemente do que acontecia no Reich alemão, a sociedade norte-americana continua a ser regida por instituições formalmente democráticas.
Essa circunstância, a cumplicidade dos governos dos países cujas classes dominantes são beneficiadas pela globalização neoliberal, e o controlo quase absoluto dos grandes mass media, permitem, contudo, que centenas de milhões de pessoas, em todo o mundo, confundidas pela engrenagem desinformativa, sintam ainda grande dificuldade em compreender que a estratégia de dominação dos EUA configura um perigo imediato para a totalidade da humanidade.
Entretanto, o sistema de poder que ali se implantou concebeu e desenvolve uma política cujos contornos neofascistas são hoje cada vez mais transparentes.
A extrema complexidade da situação criada aparece bem expressa na contradição explosiva entre a atitude dos governos e dos povos perante a agressividade imperial norte-americana.

Novo Mu­nique

A aprovação por unanimidade (a Síria não participou na votação) pelo Conselho de Segurança, no dia 22 de Maio, da Resolução que transforma na prática o Iraque em Protectorado dos EUA, será recordada futuramente como um acto de capitulação que supera pela covardia e hipocrisia o que se passou em Munique.
Capitulação tanto mais indecorosa que governos como o da França, o da Alemanha, o da Rússia e o da China, se opuseram em Fevereiro e Março no Conselho de Segurança à guerra, atitude que forçou os EUA e a Grã Bretanha a optar por uma agressão unilateral, violando a Carta da ONU.
Mas, invadido e vandalizado o Iraque, mortas ali milhares de pessoas, o Conselho de Segurança, numa pirueta de farsa, dá o seu aval ao crime, depois de consumado, aceita para a ONU o papel subalterno que os EUA lhe atribuíram, e legitima assim a agressão. Nomeado pelo presidente Bush, um cidadão dos EUA, cujas funções lembram as dos gauleiter de Hitler, está, agora, por tempo indetermidado governando o Iraque, investido de enormes poderes.
A agressão ao Iraque funciona como alerta para a Humanidade. Mas Washington cometeu um erro ao concluir apressadamente que a ocupação do país, após uma guerra genocida, lhe permitiria organizar tranquilamente o saque das suas riquezas. Não contou com a resistência do povo. No Iraque está principiando outra guerra, essa de longa duração. As mortes quase diárias de militares norte-americanos perturbam o sono dos generais do exército de ocupação. O fantasma de um novo Vietname instalou-se já nos corredores do Pentágono.
Não há impérios eternos. O sonho de dominação planetária e perpétua do sistema de poder responsável pela tragédia iraquiana terá o destino de outros, anteriores, menos ambiciosos.
Porque assenta num sistema de exploração do homem incompatível com as aspirações da condição humana.
O fascismo é um assalto à razão que carrega as sementes da sua própria destruição. Nestes dias o seu rosto é já identificável na teoria e na prática de um sistema que, reivindicando o direito de organizar a humanidade como um rebanho, recorre à barbárie e ao terrorismo de Estado para impor a sua vontade.
A luta será dificílima e a derrota final das forças que ameaçam a humanidade não tem data no calendário.
Para os intelectuais, a primeira exigência nesse combate é a da autenticidade, que implica a recusa de sectarismo, de egoísmos de grupo, de individualismos e vaidades pessoais.
Somos combatentes desarmados numa guerra de longa duração contra um poder armado. Como a estratégia do inimigo é integrada, planetária e global, a nossa resposta, em Fóruns como este, deve ser também global, partindo do particular para o universal.
É minha convicção que não teria sentido reflectir sobre o tema da dívida externa como instrumento de dominação se não o relacionasse com a actual crise de civilização e a ameaça que ela carrega para a humanidade.
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Do autor, sobre o mesmo tema, ver o site re­sistir.info


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